"Escrever no computador é mais literário e espiritual"

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Também acredita que o livro em papel está condenado pelas novas tecnologias?

O que eu sei é que a invenção da fotografia não acabou com a pintura; a do cinema não eliminou a fotografia, nem o avião destruiu o comboio - hoje é mais rápido fazer Milão/ /Roma em comboio do que por avião. O mesmo se passará com o livro e os novos meios de comunicação.

Qual é a sua relação com o virtual?

Eu vou à Internet, mas tenho 50 mil livros em casa e continuo a coleccionar volumes antigos. Há coisas que ainda durante a minha vida transportarei dentro do iPad - bibliografias e enciclopédias - mas há outras que continuarei a amar num livro de papel, que se possa tocar.

Até quando o fará?

Não temos provas científicas de que tudo o que é gravado durará mais do que cinco anos. Não sabemos quanto durará o que gravámos em cassete porque já não temos gravadores que as leiam. Como também não há provas científicas da durabilidade dos meios electrónicos. O papel ainda é a forma mais segura de guardar a informação.

Mesmo com digitalização maciça?

Sei que a Biblioteca Nacional de França está a digitalizar todo o acervo, mas, ao mesmo tempo, imprime porque nunca se sabe. Um apagão informático pode apagar todo o digital, tal como um incêndio queima todo o papel. Se a Biblioteca de Alexandria estivesse digitalizada, teriam ficado mais textos e pergaminhos que arderam. Por tudo isto, não sou um fundamentalista nem do livro nem do digital no modo de conservar a informação. O que sei é que ao encontrar livros antigos, com notas manuscritas por mim, criam--me uma emoção que não terei com uma pen de computador.

Mas para os mais novos é diferente?

Poderá ser. Não quero fazer de Nostradamus mas, quando vou a grandes livrarias, elas estão cheias de jovens. Alguns desses leitores, que têm o iPad e o Kindle, podem ser impacientes com o livro mas nem todos o serão. Há gente que está disposta a comprar por milhares de dólares um velho computador, o que prova que há desejo em coleccionar coisas do passado. Também o haverá no caso dos livros. É preciso esperar para ver, deixar que as modas passem. O meu Cemitério de Praga também foi vendido para o e-book, mas a percentagem na Europa é baixa: 3%. Não conta, enquanto nos Estados Unidos os números já são diferentes.

Escreve no computador. Já não é capaz de o fazer à mão?

Ainda me é possível tomar notas e, às vezes, até prefiro escrever lentamente e à mão. Mas, com o computador é mais espiritual porque pode-se escrever à velocidade do pensamento. Desse ponto de vista, a escrita do computador é mais literária do que à mão, seja com caneta ou máquina de escrever. Refazer três vezes o texto, como acontecia antigamente, incomodava qualquer um até à exaustão. Tudo dependerá dos escritores, mas o computador não permite escrever de uma forma mecânica, antes de modo muito mais espiritual.

Mesmo na poesia?

Não sou um poeta, mas às vezes faço poesias cómicas no computador e é-me mais fácil controlar os versos e fazer os decassílabos. Porque não a poesia ao computador?

E para a investigação? Prefere a enciclopédia ou a Internet?

Depende. Se estou a escrever um texto em inglês num computador e não me lembro da palavra, é mais fácil ver na Internet do que me levantar para consultar o dicionário. No entanto, se a informação que me dá a Internet é muito curta e quero algo mais complexo, então preciso dos livros. No outro dia precisava da data de nascimento de Cícero, fui à Wikipedia. Se quisesse saber opiniões críticas sobre a sua obra, já consultaria um dicionário de filosofia.

Nem todos, no entanto, conseguem filtrar o que é dado pela Internet.

Esse é o grande problema. Tanto nos diz a verdade como asneiras enormes. Um jovem não consegue filtrar o que eu, com a minha experiência, posso. Mas se eu quiser uma informação sobre física atómica também não serei capaz de controlar a sua exactidão. Se procurar dados sobre a história da literatura italiana ou francesa também não tenho problemas, mas já sobre a da Arménia nada sei. É preciso que se ensine a filtrar nas escolas. Infelizmente, os professores também não sabem fazê-lo.

Escreveu um prefácio para a edição do Caderno de José Saramago porque foi censurado por Berlusconi...

Só falava mal dele numa página. Não quero intrometer-me nessa história embaraçante para a editora Einaudi, pediram-me o prefácio e eu fiz porque era meu amigo.

Que autores portugueses conhece?

Só os grandes: Pessoa, etc. Dos novos, muito pouco, porque desde que escrevo romances cada vez menos leio os contemporâneos. Quanto a Saramago, li-o quase todo.

Disse em tempos que a Europa será muçulmana em 2050. Mantém?

Escrevi isso há 30 anos. Que nos encaminhávamos para um continente colorido - não muçulmano. Neste momento, o que se passa é comparável às grandes migrações nórdicas sobre o Império Romano, que mudaram a antropologia, a demografia e as línguas da Europa. Agora, verificamos estas migrações de África e, mesmo que se dispare sobre os barcos que chegam, não haverá sucesso na sua interrupção. Ou a Europa se prepara para ser multicultural ou afunda-se. Se os italianos não fazem filhos, não podem queixar-se sobre o destino da Europa. A América já é um país espanhol! Mesmo em Milão tudo mudou, há 30 anos quando víamos um negro na rua olhávamos para trás porque era excepcional. Agora, é bem diferente, e ainda me lembro de ter descido de um comboio que vinha de Bolonha e ter parado numa gare periférica. Como não havia táxis, vim para casa de metro, e era o único branco a bordo! Compreendi que se passava algo de novo na cidade.

Com o que está a acontecer nos países do Norte de África, ainda aumentará o ritmo das migrações.

Provavelmente sim, mas é muito difícil fazer previsões no caso da Líbia, por exemplo, onde há muita gente a fugir. Se a Tunísia tiver um Governo democrático, talvez as pessoas aí fiquem.

Acredita que estes regimes possam democratizar-se?

Não sou profeta! A possibilidade de se tornarem democráticos ou fundamentalistas muçulmanos é 50/50. Nesta altura, está tudo em aberto.

Tem criticado a WikiLeaks. Porquê?

A Wikileaks parece a história do meu romance, em que os relatórios para os serviços secretos nunca precisam de dizer coisas novas mas sim as conhecidas. Tudo o que revela já sabíamos; o que a madame Clinton lê num telegrama do embaixador é a copia do que lemos nos jornais. Se será positiva esta revelação maciça, creio que não. Em todas as profissões há elementos que devem manter-se reservados, e meter tudo a público não é forçosamente positivo.

Actualmente, as pessoas sabem mais do que se passa realmente no Afeganistão e Iraque do que antes!

A WikiLeaks mostrou que os Estados Unidos pediram a Berlusconi que enviasse mais tropas; o que ele fez porque tinha todo o interesse em ser fiel porque eles não o apreciavam muito... Mas isso eu já sabia.

Há muitos anos deixou de acreditar em Deus. É mais fácil assim?

Creio que o homem é um animal religioso, que tem medo da morte e das coisas terríveis. É mais conveniente acreditar em Deus, e só os filósofos podem suportar a tragédia que é a sua ausência.

Obrigado pela entrevista.

... Queria esclarecer, a propósito da primeira questão, que foram razões morais que me levaram a escrever o livro. Quis esclarecer definitivamente a montagem de uma mentira. Espero que o livro seja isso e não uma leitura maliciosa.

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